Aqui, o poeta faz arranjos de poesia como quem faz arranjos de conchas. Enquanto caminha com os pés mergulhados nas águas quentes da extremidade oeste do Atlântico, junta peças, desenha versos, concebe navio de velas, constrói farol alto sobre altas ondas. Retratos da memória levam-no a viajar no tempo até o ano de 1987. Aflito, percebe que se esqueceu do nome da menina de imensos olhos azuis que lhe sussurrou 'me namora?', na fábrica de chocolates em que ambos, ainda crianças, trabalhavam. Fecha os olhos e reconstitui a parte não esquecida da trajetória percorrida desde aquele longínquo instante. Recolhe poemas que brotaram pelo caminho como quem recolhe conchas na orla do mar. Uma concha 'compreendi que naquela curva da vida você tinha de estar lá'. Duas conchas 'adorava sua voz de um jeito que hoje sei explicar: sabe o contato do diamante com o vinil?'. Três conchas 'dia a dia o tempo que nos foi dado escoa para o espaço'. Quatro conchas 'meu coração parou no dia em que você partiu... quando voltou a bater, bateu tão forte que pôs o universo em movimento'. Cinco conchas 'os caminhos possíveis logo se apagam para quem não se entrega ao risco de percorrê-los'. Finda a viagem através do tecido da memória rasgado pelo tempo, encerra as conchas em delicado relicário, toma em mãos e leva ao peito um pequeno livro de lembrança e esquecimento, de poesia e saudade... '22 arranjos de conchas'...