Todo arquivo aponta, antes que para verdades do passado, para promessas de futuros. Já o testemunho do desastre joga com o impossível de ser narrado. Em ambos os casos, estamos diante da ambígua tarefa de ler o que nunca foi escrito – de demorar no desastre.
Esta pesquisa parte de uma inquietação, e talvez de uma vaga esperança, em relação a uma possível função da literatura diante de desastres. Tivemos, como primeiro impulso investigativo, a incompreensão de uma breve pergunta enunciada pelo filósofo Giorgio Agamben que coloca um enigma no vínculo entre elementos aparentemente tão díspares, ou desvinculados se os tomarmos isoladamente: literatura e desastre. “Como a literatura é possível depois do desastre?”, diz Agamben em entrevista que aborda a trajetória do filósofo Maurice Blanchot a partir de uma perspectiva da presença do desastre e de sua eventual, e mesmo inesperada, relação com o gesto literário. Nos coube assim, de início, uma exploração e uma delimitação de um campo onde essa pergunta poderia não apenas ser compreendida ou respondida, mas também aberta a usos para uma escrita e para uma leitura de um desastre ou desastres. “Como a literatura é possível depois do desastre?” se coloca como uma tradução, sobre como um gesto literário pode contribuir para os estudos da memória e da escrita da história de um desastre.
O arquivo e o testemunho fazem um cismo: são placas tectônicas que se mexem em simultâneo, movendo toda a pesquisa. Oscilamos da ocupação da obra de Euclides da Cunha Os Sertões para a de um diário escrito por um combatente durante sua vivência de guerra contra a ditadura militar no Brasil entre os anos de 1972 e 1973, no episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia ou Massacre do Araguaia. É como se as filosofias que abordamos fossem um modo de folhear esse diário.
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