No coração das comunidades cariocas, onde o Estado se faz ausente e a sobrevivência se articula em redes de poder informal, emergem duas estruturas hegemônicas que disputam espaço, subjetividade e controle: o crime organizado e a fé neopentecostal. Nesta obra instigante, Flávio Pedro dos Santos Pita investiga, com precisão analítica e rigor ético, a intersecção entre Geocriminalidade e Narcopentecostalismo como fenômenos estruturantes da vida social nas comunidades do Rio de Janeiro.
A obra parte de uma premissa desconcertante, porém inegável: a ausência seletiva do Estado não gera vácuos, mas rearranjos de soberania. Facções criminosas e facções religiosas ocupam esse vazio, gerando uma “ordem alternativa” pautada na violência, no medo e na promessa de salvação. A geografia urbana é, então, transformada em território político, onde o domínio não se exerce apenas pela força das armas, mas também pela sugestão poder da palavra e pela manipulação do sagrado.
Distante de abordagens maniqueístas, o autor propõe uma leitura sofisticada das complexas dinâmicas de poder que permeiam esses espaços. A partir de referenciais da criminologia crítica, da sociologia urbana, da segurança pública e da teologia política, o texto desnuda os mecanismos simbólicos, econômicos e afetivos que sustentam a dominação desses territórios. O Narcopentecostalismo é apresentado não como anomalia, mas como parte funcional do ecossistema de controle que substitui, ou coopta, as funções públicas do Estado.
Mais do que um livro sobre crime e religião, trata-se de um chamado à consciência. Um alerta sobre os riscos de naturalizar a exclusão, espiritualizar a violência e subestimar a potência política das margens. É leitura essencial para juristas, sociólogos, agentes de segurança pública e todos que se inquietam diante das injustiças estruturais que atravessam o Brasil urbano e desigual.